Era uma idade atroz... forte e grandiosa.
Levantando altivíssima a alterosa
E fulgurante coma
Nas ruínas das nações se erguia Roma...
Trágica e má das raças quebradas,
Das velhas raças de remota história,
Afogando a existência, a força e a glória
Num dilúvio flamívomo de espadas!
Não havia aplacá-la, nem dos perros
A queixa vil, nem dos heróis nos ferros;
Embalde o pranto acerbo
Sufocando, Mitríades, soberbo,
Se erguera na Ásia aos rígidos embates
De férvidas paixões para, possante,
Lançar um trono no bulcão troante
Do torvelinho horrível dos combates!
Tombara Filopoeme altivo o aspeito,
Concentrando no velho e frio peito
Todo o vigor guerreiro,
Todo o heroísmo de um país inteiro
E o que passou então foi sublimado
A Grécia, que era morta, morta e escrava,
Transmudou-se num túmulo heróica e brava
Para guardar seu último soldado...
No Egito, o horror dos dramas lutuosos..
Rotos, sombrios, pávidos, raivosos,
Os últimos heróis
Sofriam pela pátria... oh! dor atroz
Oh! dor fatal que o coração adstringes!
E passavam, cingindo as velhas clâmides,
Entre a sombra funérea das pirâmides
E o olhar petrificado das esfinges!
A Ibéria exangue nem sequer o insano
Louco gemer do eterno amante o Oceano
Ouvia, lhe atirando às plantas frias
Grandes canções vestidas de ardentias.
Amante imenso, de um amor profundo,
Que mais tarde, grandioso, para erguê-la,
Não podendo engastá-la numa estrela
Lançou-lhe aos pés um mundo!
Nos corações as recalcadas penas
Doíam sem um só gemido... apenas
Numa loucura brava.
O Parta palmo a palmo recuava;
No terreno sagrado de seus pais;
Caía como o raio fulminando,
E morria as espadas agitando
Como sabem morrer os imortais!
Mas de onde vinha esse fatal domínio?
Lançai à história o olhar. Vede:
Um triclínio.
Das taças arrebenta
Formidolosa a embriaguez sangrenta...
Um truão se ergue: em seu olhar cintila
A febre, às vozes doces de um saltério,
Ébrio e trôpego dança... Ei-lo Tibério...
Tibério cambaleia e o mundo oscila!
Foi nessa idade atroz e má, repleta
De crimes, que Jesus, incruento atleta
Ergueu como uma aurora,
Por entre a multidão, a fronte loura...
E nova vida palpitou na terra;
Vacilaram os ferros sanguinários
Nas manoplas dos rudes legionários;
Em frente à paz estremeceu a guerra...
Dissolveram-se em prantos os ressábios
Das concentradas dores, e nos lábios
Sublime, pairou esse
Bafejo ardente da nossa alma... a prece...
E livre dessas noites que se somem
Ante os fulgores da razão de um justo,
O mundo inteiro se soerguendo a custo,
Respirava p'la boca de um só homem!
Da antiga idade, os deuses combalidos
Oscilaram, quebrados, derruídos,
Ante o clarão brilhante
Daquela consciência rutilante...
E, cobardes, num círculo de lanças,
Cheios de um grande espanto, vacilaram
Os déspotas, torvados... e recuaram
Ante um homem cercado de crianças...
E quando ele caiu... o mundo antigo,
O seu ingrato e trágico inimigo,
Alucinado e insano
Deslumbrou-se ante um quadro sobre-humano:
Aureolava-o ignota claridade...
E aquele morto... frio, macerado,
Tendo no lábio um riso ensangüentado,
Na espádua roxa erguia a Humanidade.