Tu Poema de Amor

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Inicio . Euclides da Cunha FAZENDO VERSOS

FAZENDO VERSOS

A Moreira Guimarães

Poeta que calcula quando escreve

Que vá poetizar para os conventos.

G. Magalhães

 

Colegas. Essas canções essas filhas selvagens

Das montanhas, da luz, dos céus e das miragens

 

Sem arte e sem fulgor são um sonoro caos

De lágrimas e luz, de plectros bons e maus

Que ruge no meu peito e no meu peito chora;

Sem um 'fiat' de amor, sem a divina aurora

De uns olhos de mulher.

 

Mas tenho vinte e um anos

E sou um velho poeta a dor e os desenganos

 

Sagraram-me mui cedo; a minha juventude

É, como uma manhã de Londres fria e rude!

Filho lá dos sertões nas múrmuras florestas,

 

Nesses berços de luz, de aromas e giestas

Aonde a poesia dorme ao canto das cachoeiras,

Eu me embrenhava só... as auras forasteiras

Me segredavam baixo as dulias do mistério

 

E a floresta ruidosa era como um saltério

De cujas vibrações meu coração vivia

Bebendo esse licor de luzes a Poesia!...

 

Mui cedo como um elo atroz de luz e pó

Um sepulcro ligara a Deus minh'alma... só,

Selvagem, triste e altivo eu enfrentei o mundo

Fitei-o e então senti de meu cérebro no fundo

 

Rolar iluminando a alma e o coração

Com a lágrima primeira, a primeira canção!...

Cantei porque sofria e, veja que no entanto

 

Sofro hoje porque canto!...

Já vês, portanto: em mim isso de versejar

É um modo de sofrer e um meio de gozar

E nada mais, palavra!...

 

...Eu nunca li Castilho

Detesto francamente estes mestres cruéis

Que esmagam uma idéia entre 'quebrados pés',

 

Que vestem com um soneto esplêndido, sem erro

Um pensamento torto, encarquilhado e perro

Como um correto 'frac' ao dorso de um corcunda!...

 

Oh!... sim quando a paixão o nosso ser inunda

E ferve-nos na artéria e canta-nos no peito

Como dos ribeirões o estrepitante leito

Parar é sublevar

 

Medir é deformar

Por isso amo a Musset e jamais li Boileau!...

Esse arquiteto audaz do pensamento Hugo

 

Jamais soe refrear o seu verso invencível

Veloz, mais do que a luz como o raio incoercível!

Se a lima o toca ardente, audaz como um corcel

 

Às esporas revel

Na página palpita e corre e brilha e estoura

Como um raio a vibrar no seio de uma aurora!...

 

Que a crítica burguesa e honesta me perdoe:

Bem sei que isso faz mal sei bem que isto lhe dói:

Que ela me estigmatise a fronte e em raiva ingente

 

Arroje sobre mim a pecha: decadente!...

E vede-me calcar do Pindo as áureas trilhas...

Colega!... hão de ser sempre essas canções estranhas

 

Umas selvagens filhas

Das miragens, dos céus, da luz e das montanhas!...