Tu Poema de Amor

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Inicio . Ferreira Gullar EVOCAÇÃO DE SILÊNCIOS

EVOCAÇÃO DE SILÊNCIOS

O silêncio habitava

o corredor de entrada

de uma meia morada

na rua das Hortas

 

o silêncio era frio

no chão de ladrilhos

e branco de cal

nas paredes altas

 

enquanto lá fora

o sol escaldava

 

Para além da porta

na sala nos quartos

o silêncio cheirava

àquela família

 

e na cristaleira

(onde a luz

se excedia)

cintilava extremo:

 

quase se partia

 

Mas era macio

nas folhas caladas

do quintal

vazio

 

e

negro

no poço

negro

 

que tudo sugava:

vozes luzes

tatalar de asa

 

o que

circulava

no quintal da casa

 

O mesmo silêncio

voava em zoada

nas copas

nas palmas

por sobre telhados

até uma caldeira

que enferrujava

na areia da praia

do Jenipapeiro

 

e ali se deitava:

uma nesga dágua

 

um susto no chão

 

fragmento talvez

de água primeira

 

água brasileira

 

Era também açúcar

o silêncio

dentro do depósito

(na quitanda

de tarde)

 

o cheiro

queimando sob a tampa

no escuro

 

energia solar

que vendíamos

aos quilos

 

Que rumor era

esse ? barulho

que de tão oculto

só o olfato

o escuta ?

 

que silêncio

era esse

tão gritado

de vozes

(todas elas)

queimadas

em fogo alto ?

 

(na usina)

 

alarido

das tardes

das manhãs

 

agora em tumulto

dentro do açúcar

 

um estampido

(um clarão)

se se abre a tampa.