Tu Poema de Amor

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Inicio . Jorge de Lima INVENÇÕES DE ORFEU XXVI

INVENÇÕES DE ORFEU XXVI

Sombra encantada, declinara

num vago dia, incerto dia.

Eis uma deusa, pelos gestos,

por sua dança, sua órbita.

Era preciso compreendê-la,

mas quando nós a avizinhávamos,

a deusa arisca recuava.

Se nós recuávamos, voltava

ao nosso encontro, sem tocar-nos.

Então corríamos, devassos,

quase enlaçando-a: ela fugia.

Era uma deusa pelos modos

com que mentia e se ausentava.

Mas outro dia, vago dia,

abrutamente a aprisionamos.

O que tu és, deusa, ignoramos,

mas desejamos, qualquer coisa

fazer de ti, terror ou júbilo

ou nossa vênus favorável

ou nossa esfera de vocábulos.

Ela chorava, não queria;

e o pranto logo dissolvia.

Então descemos, ventre abaixo

e renascemos de seu sexo,

- trânsito virgem de palavras.

Era uma deusa, pela fúria

com que nós todos a ultrajamos.

Era uma deusa e não sabíamos

se cada qual mesmo a violou.

Era uma deusa, pela dúvida

que em cada um de nós, deixou.