Sombra encantada, declinara
num vago dia, incerto dia.
Eis uma deusa, pelos gestos,
por sua dança, sua órbita.
Era preciso compreendê-la,
mas quando nós a avizinhávamos,
a deusa arisca recuava.
Se nós recuávamos, voltava
ao nosso encontro, sem tocar-nos.
Então corríamos, devassos,
quase enlaçando-a: ela fugia.
Era uma deusa pelos modos
com que mentia e se ausentava.
Mas outro dia, vago dia,
abrutamente a aprisionamos.
O que tu és, deusa, ignoramos,
mas desejamos, qualquer coisa
fazer de ti, terror ou júbilo
ou nossa vênus favorável
ou nossa esfera de vocábulos.
Ela chorava, não queria;
e o pranto logo dissolvia.
Então descemos, ventre abaixo
e renascemos de seu sexo,
- trânsito virgem de palavras.
Era uma deusa, pela fúria
com que nós todos a ultrajamos.
Era uma deusa e não sabíamos
se cada qual mesmo a violou.
Era uma deusa, pela dúvida
que em cada um de nós, deixou.