Tu Poema de Amor

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Inicio . Jorge de Lima INVENÇÕES DE ORFEU XX

INVENÇÕES DE ORFEU XX

Aqui e ali

me encontrareis,

entre um poema

ou em seu curso,

além e aquém,

oculto e claro,

vivo ou demente,

ou mesmo morto,

ou renascido

como meu sósia,

intermitente,

ferida tórpida.

pulso de febre,

nesse cavalo,

naquela tinta,

naquele poema

quase alicerce,

quase esse infante,

esse anjo surdo.

Ia esquecendo:

eu e meu sósia

somos momentos

entrelaçados.

Ei-lo veemente

volta a seu palco,

sobe a uma origem,

desce de novo,

envolto ou nu,

esse homem gêmeo,

jamais verdugo,

mas palma incerta,

sendo meu pai,

meu filho e neto

e aquele longe

porém limiar,

malgrado e clâmide

aberta e alípede,

foi argonauta,

podia se-lo

se esse jacinto

não fosse canto,

canto de galo

crepuscular,

profusamente

cedo se oculta

por essas laudas

sem perceber

seu fácil ímpeto

ante a palavra

visualizada;

mas de repente

desaparece.

Agora eu surjo

naquela esquina,

naquele pórtico

falam de mim;

ouço transido

esses vocábulos

desconhecidos,

emerjo em rios

que vão passar,

mergulho em rumos

acontecidos,

sucedo em mim,

depois vou indo

fundo e arrastado

na correnteza

que é de repentes.

Morto incorrupto

guardo meus naipes

mais pressentidos,

intercadentes,

desordenados,

não há atavios,

não há disfarces,

dissolução

dos prantos largos

manando laivos,

lanhando aspectos;

desacredito-me

perante os leves,

nem sabedor

de alas longevas,

se o porvindouro

é puro exórdio

precocemente

desencantado;

se os seus presságios

remanescidos,

salvo-condutos

manifestados;

correm desvios

vulgares trilhos,

que todavia

prossigo em mim,

minha progênie,

uns dementados,

outros co-réus,

reconciliando-me

com os mutilados

e este glossário

que é de meu sósia;

abastecido

alego dores,

crescentes cargas;

me patenteio,

fico exaltado

sem parecer;

depois me espreito

na curva adiante,

simbolizado,

metade em mim

inda nascendo,

a outra metade

superlotada;

então me sano

excluindo as nucas

executáveis;

não evidentes

nem aberrante

me envolvo de alma,

doce alimária

com alguns anexos

aparelhados

para colher

belas paisagens

e outros petrechos

do sósia amado;

quero sofrer-me,

quero imitar-me,

fico enpunhado

meu corpo no ar,

dependurado,

meio aderido

a alguns palhaços

insimulados,

portanto, instáveis,

muito insossos,

muitos até

beatificados;

ventos corteses

bem-parecidos

vêm agitar

nosso espantalho,

enquanto as aves

canoramente

se desaninham

de nossos braços,

ossos atados

a chão deitados,

chãos contestados

por figadais,

mas afinal

chãos estrelados

de algumas plantas

ambicionadas

por umas moças

que andando sós

se despetalam

e virar brisas,

fagueiras asas,

pelas janelas

passam nos vidros,

vão aos relógios

param os cucos,

e a vila fica

inteiriçada.

dormindo dentro

desse poema

recomeçado

por novo sósia.