Tu Poema de Amor

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Inicio . Machado de Assis CANTIGA DO ROSTO BRANCO

CANTIGA DO ROSTO BRANCO

Rico era o rosto branco; armas trazia,

E o licor que devora e as finas telas;

Na gentil Tibeima os olhos pousa,

E amou a flor das belas.

 

“Quero-te!” disse à cortesã da aldeia;

“Quando, junto de ti, teus olhos miro,

A vista se me turva, as forças perco,

E quase, e quase expiro.”

 

E responde a morena requebrando

Um olhar doce, de cobiça cheio:

“Deixa em teus lábios imprimir meu nome;

Aperta-me em teu seio!”

 

Uma cabana levantaram ambos,

O rosto branco e a amada flor das belas...

Mas as riquezas foram-se co’o tempo,

E as ilusões com elas.

 

Quando ele empobreceu, a amada moça

Noutros lábios pousou seus lábios frios,

E foi ouvir de coração estranho

Alheios desvarios.

 

Desta infidelidade o rosto branco

Triste nova colheu; mas ele amava,

Inda infiéis, aqueles lábios doces,

E tudo perdoava.

 

Perdoava-lhe tudo, e inda corria

A mendigar o grão de porta em porta,

Com que a moça nutrisse, em cujo peito

Jazia a afeição morta.

 

E para si, para afogar a mágoa,

Se um pouco havia do licor ardente,

A dor que o devorava e renascia

Matava lentamente.

 

Sempre traído, mas amando sempre,

Ele a razão perdeu; foge à cabana,

E vai correr na solidão do bosque

Uma carreira insana.

 

O famoso Sachem, ancião da tribo,

Vendo aquela traição e aquela pena,

À ingrata filha duramente fala,

E ríspido a condena.

 

Em vão! É duro o fruto da papaia,

Que o lábio do homem acha doce e puro;

Coração de mulher que já não ama

Esse é inda mais duro.

 

Nu qual saíra do materno ventre,

Olhos cavos, a barba emaranhada,

O mísero tornou, e ao próprio teto

Veio pedir pousada.

 

Volvido se cuidava à flor da infância

(Tão escuro trazia o pensamento!)

“Mãe!” exclamava contemplando a moça,

“Acolhe-me um momento!”

 

Vinha faminto. Tibeima, entanto,

Que já de outro guerreiro os dons houvera,

Sentiu asco daquele que outro tempo

As riquezas lhe dera.

 

Fora o lançou; e ele expirou gemendo

Sobre folhas deitado junto à porta;

Anos volveram; co’os volvidos anos,

Tibeima era morta.

 

Quem ali passa, contemplando os restos

Da cabana, que a erva toda esconde,

Que ruínas são essas, interroga.

E ninguém lhe responde.